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A barra pesou no parque
O Terra Encantada consumiu até agora mais de 240 milhões de dólares. E pode virar um mico.
Revista EXAME - Era uma vez um senhor de muitas terras, que sonhava construir nelas um castelo à beira de um lago. E, em volta, instalar brinquedos e muitas lojas, com uma bilheteria cobrando ingresso de milhares de pessoas por dia. O latifundiário da nossa história, Tjong Hiong Oei, mais conhecido, no Rio de Janeiro, como "Chinês da Barra" (um erro, já que nasceu em Cingapura), conseguiu realizar seu sonho. Mas uma nuvem parece pairar sobre seu reino. O parque temático Terra Encantada, primeiro do gênero, no Brasil, erguido por Oei, sofre as conseqüências de uma inauguração problemática. A abertura do parque aconteceu em janeiro deste ano, depois de dois adiamentos. Mesmo assim, com boa dose de improvisação: nem todos os brinquedos funcionavam, lojas estavam fechadas e o público ficou muito abaixo do esperado. Sem ter um Mickey ou um Pato Donald para atrair visitantes, o Terra Encantada parece ter se transformado num mico, caído diretamente no colo do "Chinês da Barra" e de seus parceiros.
Com uma média diária de 7 000 visitantes em abril, melhor do que a do início do ano, mas muito abaixo dos 25 000 previstos no projeto, o Terra Encantada necessita de uma injeção de capital. O dinheiro novo será usado no pagamento de dívidas com fornecedores e na retomada da campanha publicitária de lançamento, interrompida pela falta de fundos. Se o entretenimento e os parques temáticos, em particular, são uma das indústrias quentes do momento (em todo o mundo os parques temáticos movimentam 8,6 bilhões de dólares por ano), onde foi que Oei e seus executivos falharam?
A história da abertura do parque é uma fábula repleta de erros estratégicos. Em primeiro lugar, houve falhas no planejamento. O projeto original estava orçado em 200 milhões de dólares. Em 1995, quando foi oficialmente anunciado, já chegava a 220 milhões, incluindo o terreno de 80 milhões de dólares, pertencente a empresa de Oei, a Esta. Outros 60 milhões vieram dos cofres do BNDES. Foi o maior financiamento para parques temáticos oferecido pelo banco, que já emprestara 40 milhões de dólares para o Great Adventures, em Vinhedo, São Paulo, e 10 milhões para o Wet n Wild de Salvador. Mas, quando o Terra Encantada abriu suas portas, os gastos já ultrapassavam os 240 milhões de dólares. Em agosto de 1997, uma parte do empreendimento foi vendido ao BankAmerica, que pagou 20 milhões de dólares e ganhou um assento no conselho de administração. Mas não foi o suficiente para colocar as contas em dia.
Uma das razões para o estouro do orçamento foi o crescimento das despesas para a instalação dos brinquedos importados. "Os gastos foram 15 milhões de dólares maiores do que o esperado", afirma Maria Lúcia Romero, diretora de operações do Terra Encantada. Para tapar esse rombo, Oei vendeu alguns terrenos na Barra da Tijuca, bairro onde está montado o parque. Ele já foi dono de 10 milhões de metros quadrados na região, o equivalente a 10% da área total da Barra. Embora seus domínios tenham diminuído ao longo dos anos, Oei ainda possui um grande estoque de terrenos na região.
O estouro do orçamento afetou o fluxo de caixa da obra, que deveria ter sido inaugurada no Dia da Criança de 1997. Pagamentos a fornecedores começaram a atrasar e, em março, as dívidas chegaram a 3 milhões de reais. Segundo José Eduardo Tostes, diretor-executivo do Terra Encantada, todas as dívidas teriam sido reescalonadas. Houve pelo menos um pedido de falência da Parques Temáticos SA, empresa que controla o Terra Encantada na 6ª Vara da Falências e Concordatas do fórum carioca (foi indeferido). A falta de dinheiro fez com que a empresa suspendesse toda publicidade, justamente quando precisava atrair mais visitantes. Uma nova campanha só irá ao ar no fim de maio. Ao contrário da primeira, considerada pouco informativa, irá mostrar o Terra Encantada, sua localização e quais atrações existem lá dentro.
Na abertura foi cometido outro tropeço estratégico: o público não foi avisado de que o parque estava incompleto. "Foi um erro de marketing", afirma Craig Dean, diretor de participações do BankAmerica em Chicago. Com muitos brinquedos parados, inclusive a montanha-russa festejada como uma das grandes atrações, foi criado um anticlímax entre os freqüentadores.
IBOPE BAIXO - O preço dos ingressos só piorou a situação. À época do lançamento do Terra Encantada, a previsão era de que a entrada média custaria no máximo 13 reais em dinheiro de hoje. Muito menos do que os 25 reais cobrados para crianças de até 10 anos e dos 30 pagos pelos demais freqüentadores."O parque acabou ficando mais sofisticado do que no projeto inicial e isso se refletiu no preço do ingresso", diz Maria Lúcia.
O ibope reduzido fez com que os administradores do parque apelassem para promoções. Em abril, quem comprasse um ingresso levava outro de graça. Para estimular a demanda, o preço da entrada baixou durante algumas semanas para 5 reais, a partir das 21 horas, duas horas antes do encerramento das atividades nos brinquedos. Foi preciso interromper a oferta. O parque chegou a receber 12 mil pessoas naquele horário. "Ficou inviável", afirma Maria Lúcia. A entrada noturna de 5 reais vale agora apenas para quem visita os bares e restaurantes, abertos até a madrugada. Mesmo que a freqüência aumente, os ingressos não voltarão ao preço da inauguração. Até dezembro, segundo Maria Lúcia, o ingresso médio deve estabilizar-se em 22 reais.
Inicialmente, os executivos do Terra Encantada acreditavam que o parque poderia subsistir com a bilheteria, renda dos aluguéis das 130 lojas e quiosques e com a cotas de patrocínio vendidas para empresas como a Coca-Cola, Chocolates Garoto, Kodak, BR, Kaiser e Heineken. (A última dessas cotas está sendo negociada com o Bradesco, que terá o direito de abrir uma agência no parque). Não foi o suficiente. Para aumentar as receitas, novos patrocínios estão sendo oferecidos a fabricantes de biscoitos, leite, brinquedos, produtos esportivos e de informática. Outra frente de arrecadação de recursos é um fundo imobiliário, lançado em 1997 e cujo único cotista, até agora, é o fundo de pensão dos funcionários do Serpro, que pagou 22 milhões de dólares. O fundo pode negociar até 43% do capital da Parques Temáticos SA. Existem ainda negociações com a Previ, dos empregados do Banco do Brasil. Estão emperradas há meses. A Previ estaria exigindo uma série de mudanças para colocar 60 milhões de dólares no negócio, incluindo a troca dos administradores por executivos com experiência em parques temáticos.
O fato de um parque temático passar por problemas graves em seus primeiros tempos não é inédito. A EuroDisney, inaugurada em 1992, também patinou no começo. O parque, distante 30 quilômetros de Paris, foi planejado para ser uma cópia fiel dos mantidos pela Disney nos Estados Unidos. Mas a reação francesa à invasão da cultura americana não foi levada em conta. Durante três anos, o parque deu prejuízo, até que parte de seu capital foi vendido a um magnata árabe. Uma reestruturação foi iniciada - o nome mudou para Disneyland Paris - e os lucros começaram a aparecer. No caso do Terra Encantada, resta ao velho "Chinês da Barra" torcer para que as dificuldades atuais sejam apenas um preço a pagar pelo noviciado. Ou, então, como aconteceu com a Disney européia, torcer para que um xeique das 1001 noites se encante pelo seu parque.
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